quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Efeméride 2 - Dia dos Pais

Eu e meu pai em algum dezembro de um ano dourado...


Este continho é do ano de 2006 e saiu em alguns sites e no meu antigo blog; portanto, algumas pessoas que acompanham as minhas bobagens há algum tempo já o conhecem. Pensei em escrever algo novo, mas não encontrei maneira mais clara de traduzir o que o meu pai significou em minha vida, pois que é uma história verídica. Então, novamente, aí está:

As unhas vermelhas de papai


A morte sempre esteve perto. Com foice e capa preta, sentada no sofá. Acostumei-me a ela. Muito nova, perdi avós maternos, tios. Aos 13 começou a varredura do núcleo familiar e lá se foi vovó Tanica e um cara que eu chamava de pai; figura mitológica, sagrada e papel principal da nossa sociedade. Depois, José Maria, meu irmão com nome santo, mas este é um capítulo tão doloroso que convém deixar pra mais tarde, ou mesmo deixar pra lá.


O primeiro homem da minha vida era mineiro, hipertenso, gostava de literatura budista e de estar em casa com seu pijama. Preocupava-se muito em deixar para os filhos algo que realmente prestasse em um mundo que já começava a falir. E deixou. Devo a ele a minha teimosia e a obstinação, pois que aprendi a ser livre antes do feminismo e de outros ismos.


Nas manhãs quentes de sábado, lembro-me dele me pegando pela mão para assistir ao Desafio ao Galo, espécie de campeonato de futebol esquisito da extinta TV Record. Com os irmãos já crescidos e desinteressados, tornei-me a sua companhia de vestido curto e botas ortopédicas. Contava então com uns cinco ou seis anos de existência e a segurança daqueles momentos fazia-me pensar que a vida seria sempre boa e maldade era coisa de televisão.


Meu pai era inclusive professor, amigo e, na falta de uma irmã para dividir feminices, amiga também. Um dia, sentindo falta de figura feminina nas brincadeiras (mamãe era um pouco séria), tive a idéia de vesti-lo de mulher. Isso mesmo. Espada que era, não foi nada fácil convencê-lo. Aliás foi um trabalhão. Mas venceram o seu excelente senso de humor, sua preguiça e principalmente seu amor por mim. E foi. Sem culpa, como se travestem os homens nos carnavais quando a sociedade assim permite.


Eu começava lá uma descoberta tão importante do significado de ser mulher, mesmo que em um homem: o prazer da produção, de se montar. Primeiro a saia folgada de mamãe. Depois um par de coloridíssimos saltos dos anos 70, em que na verdade só cabiam os dedos. Aí vinha a melhor parte, a mais lúdica: a maquiagem. Sombras, cílios postiços, blush e pó (que naquele tempo já não era mais de arroz), e batom vermelho, até hoje uma paixão. Por fim, a peruca de cachos castanhos (era muito comum ter peruca em casa nessa época), laranjas no peito e um leque feito de papel utilizado para esconder o bigode. Minha moça era feia, alta e um pouco desajeitada. Quando as primas iam de visita, era diversão na certa! Eu ficava muito orgulhosa, pois o meu pai era o mais legal de todos.


Outra vez já crescida resolvi retomar os velhos tempos. Desta vez meu pai ralhou muito mesmo, afinal eu não era mais menina. Mas ainda me amava como tal, e com certa inércia, deixou. Quis incrementar a produção com esmaltes vermelhos, pois seu rosto cansado da doença convencia cada vez menos como senhorita. Ele ficou uma fera e me fez prometer tirar “aquilo” tão logo acabasse a brincadeira.


Acontece que eu esqueci de tirar. Alguns dias depois, chegava da escola quando percebi a tensão no rosto de quem me esperava. Meu pai tinha morrido com as unhas do pé esmaltadas de vermelho. O rapaz da funerária estranhou. Pegou um chumacinho de algodão com acetona e tirou sem fazer perguntas, pois estávamos muito tristes.//

9 Comentários:

Às 8 de agosto de 2008 às 13:52 , Blogger Unknown disse...

Cara Mô, Mô. Fico emocionado com sua história em algum lugar do passado. Tenho certeza de que os anos com seu pai foram anos intensos e que durarão a eternidade. Ao contrário da minha história do presente, tenho um pai vivo que parece já está distante a muito tempo. Espero um dia resolver essa situação e buscar o tempo perdido. Um grande beijo!!! Viajarei neste final de semana. Que tal o próximo jantarmos juntos?? Beijos p/ família Petry

 
Às 8 de agosto de 2008 às 20:03 , Anonymous Anônimo disse...

Sem palavras. Fiquei emocionada.
Beijao.
Beijo no Petry pelo dia dos papitos!

 
Às 10 de agosto de 2008 às 06:48 , Anonymous Anônimo disse...

O 1;Homem da minha vida tambem éra hipertenço gostava de ler pijama, etc.Deve a ele,a teimosia,a lealdade, a sencibilidade e o sino de Sagitário,que é marcante nos 2.naõ vamos deixar de fóra a preguiça né?.Ah depois de produzir com tanto vermelho,ainda fazia o coitado dar 1 volta no pátio do prédio para os vizinhos ver,e ele ,ainda entrava sorrindo,ele foi o Amor do meu casamento, que durou 24 anos,e meses. Feliz dia dos Pais, ao seu, e ao meu,em especial,, e todos os Pais. bjo

 
Às 11 de agosto de 2008 às 05:44 , Anonymous Anônimo disse...

Oieee Mô! Li todo o texto. Lindo. Lindo mesmo. E o amor que você sente pelo seu pappy,brother e familiares e amigos é tão grande, que por um momento havia me esquecido dos problemas do mundo e da vida. Bjssssssss gata! E manda abraçaum para o Sir Petry.

Beto (o love do Thi)

 
Às 11 de agosto de 2008 às 05:44 , Anonymous Anônimo disse...

Oieee Mô! Li todo o texto. Lindo. Lindo mesmo. E o amor que você sente pelo seu pappy,brother e familiares e amigos é tão grande, que por um momento havia me esquecido dos problemas do mundo e da vida. Bjssssssss gata! E manda abraçaum para o Sir Petry.

Beto (o love do Thi)

 
Às 11 de agosto de 2008 às 11:24 , Anonymous Anônimo disse...

Oi, Mõ. Me emocionei com este texto na primeira vez que li, no seu blog extinto, e novamente agora deu um nó na garganta. Mais ainda desta vez, já que perdi meu pai há tão pouco tempo. Um ano às vezes parece muito tempo, mas é pouco para apaziguar a saudade. Tomara daqui um tempo eu consiga lembrar das coisas bacanas que fiz com meu pai e no lugar de tristeza, sentir esse carinho que você deixa transparecer no seu texto, lindo como sempre.

beijo grande,
Paty

 
Às 13 de agosto de 2008 às 15:18 , Blogger Andrea del Fuego disse...

Eu nunca esqueci esse conto, adorei reler. Um beijo, querida!!

 
Às 17 de agosto de 2008 às 13:24 , Anonymous Anônimo disse...

agradeço a todos - e este continho realmente emociona a mim mesma, quando leio. obrigada mesmo pelo carinho pessoal!

 
Às 10 de setembro de 2008 às 14:22 , Anonymous Anônimo disse...

Se tudo fosse só para ler este texto, já teria valido a pena.

 

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