quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A EXIBICIONISTA

(2000)


Fragmentos existenciais relatados por uma jornalista que passa as tardes quentes de calcinha. E de propósito! 

Quando tudo começou
por Mlle. Monique
 




A surpresa e o prazer em reconhecer-se paisagem de olhos distantes




Incrível como descobrimos alguns talentos ao longo da vida. Tem gente que descobre talento com sessenta, setenta anos. Alguns passam a vida sem descobrir, e aí é meio triste, né? Talento para administrar, cozinhar, entender, mexer em chuveiro, em repimboca da parafuseta, para representar, ganhar dinheiro, talento para foder com a vida dos outros. O meu, esse de me exibir e observar (mais de me exibir) descobri quando vim morar aqui, de frente para uma movimentada avenida nesta capital.
 



Durante muitos anos minhas janelas deram para os fundos de uma área escura e um pouco triste, o que, acho, fez com que saboreasse ainda mais a vista urbana da qual me sirvo hoje. Moro em um apartamento cercado de prédios, e isto me faz ficar completamente atenta aos meus queridos vizinhos e vizinhas.




O começo foi bem engraçado: tive de viver um pouco sem meus móveis, apenas um colchão na sala onde deitava e de onde, até hoje, dá pra se ver tudo do bloco de frente. Até aí tudo bem. Tomava alguns cuidados para não ser observada, como apagar todas as luzes ou estar sempre vestida. Isso, pensava, até a mudança chegar e comprar uma cortina.

Numa noite preguiçosa em março de 2001 resolvi deixar a sala em uma agradável penumbra, acender velas perfumadas, abrir um vinho também perfumado e tomá-lo em taça de cristal.



Era uma festa privada, sem móveis e sem tristeza. Eu e minha amada solidão! 

O ar quente e seco irritava, abri a janela de vidro que pega todo o cômodo. Uma musiquinha... Não me lembro qual, mas era algo do tipo flamenco ou coisa que o valha, um Paco de Lucia de leve, uma guitarra. Tambores. Deitei no colchão em posição transversal. De saia. Completamente inocente. Sim, por que os homens não entendem que uma mulher veste saia às vezes simplesmente porque está calor, mas este é um outro assunto.




Naquele momento (que momento lindo!) senti-me inebriar. Olhei para a taça, e achei muito bonita a cor bordô que dava sede no cristal. Os tambores... durante um tempo fechei os olhos, e permaneci assim. Viver era bom, pensei. Com o cotovelo no chão, uma das mãos sustentava a cabeça, enquanto a outra pousava suavemente por cima de minha perna dobrada. Os tambores tornaram-se delicados. Senti minha própria mão percorrendo a perna em um S.




Devagar. 




Aí foi que abri os olhos e avistei um de meus vizinhos de sua sacada olhando fixamente para o apê. Minha primeira reação foi sair de seu ângulo imediatamente. Mas talento é talento, e acho mesmo que há uma certa predestinação na vida da gente. A música era tão boa, o colchão tão macio e a penumbra? Bom, a penumbra era a luz da ribalta.




Fui voltando aos poucos para o palco arrastando-me no chão como uma serpente. Primeiro os pés. Depois as pernas, tronco e quando vi, lá estava eu no mesmo lugar e posição, desta vez ciente que meu espectador estava a me lamber com os olhos. Tive a certeza de que era casado. Engraçado que só fui ver sua mulher no último dia, quando mudou-se deixando um vazio insubstituível. Mas tinha certeza. Inclinando o corpo para a frente, esticava o pescoço. Não liguei. Continuei escutando a música espanhola, estava felicíssima! Adorando aquele homem, que poderia ser qualquer um, tão interessado em me observar. Adorando ser observada! Ele acendeu um cigarro, e dobrava-se ainda mais na janela. 



Sentei com os joelhos dobrados como se pousasse para um quadro. Ele sorvia o cigarro devagar, atento, e se tivesse cinqüenta olhos, estaria olhando com os cinqüenta.
Mas...e se fizesse algum sinal? Meu Deus, se fizesse algum sinal iria estragar tudo! Meu fingir que não sabia, seu fingir que eu não sabia. Um frio subiu a espinha, e eu morrendo de medo coloquei-me ainda mais naturalmente.



Mas ele não fez sinal algum. Sabia jogar. Conhecia-me. Aos poucos tornou-se um profundo conhecedor de meus hábitos e só saía de seu posto quando eu finalmente cansava e apagava as luzes. A distância entre um bloco e outro é perfeita: nem muito perto, nem longe. 
Passou a aparecer todos os dias sempre no mesmo horário, e mesmo depois que o cigarro acabava, lá estava meu voyeur.




Passei a me produzir. Nada curto, imagine. Camisola preta longa, estirava-me no sofá que agora mobiliava a sala, esperando a hora em que ele, religiosamente, apareceria. Dava uma mexidinha nas pernas para a saia de seda subir, e ela ia subindo, e quando chegava nas coxas eu parava e ficava assim, durante um longo tempo. Levantava cuidadosamente, em movimentos graciosos. Sim, porque nessa história de exibicionismo à distância os movimentos são importantíssimos. Nada brusco ou desajeitado. Tem que dar uma reboladinha, sem exagerar, uma ajeitadinha no decote. Tudo, é claro, olhando só de soslaio para seu observador atento.




Aí descobri que meu amigo voyeur era até bonito, o que na verdade nem importava mais. E pedólatra. Isso eu descobri por acaso, quando antes de ir para a balada calcei sandálias de tirinhas, e sandália a gente tem que calçar assim, devagarinho. Inclinar o corpo um pouco de ladinho, dar uma olhada para os pés e pernas. Ele enlouquecia! E a partir daí eu sempre calçava as sandálias perto da janela.




Uma vez ele apareceu de cueca. Fiquei meio puta, achei que estava quebrando um código de ética nosso e deixei a luz bem escura, dificultando sua observação. E aquele dia foi perigoso, quase que põe tudo a perder. Afinal, qualquer tentativa de me conhecer mais de perto seria o fim, não iria querer vê-lo nunca mais. E perfeito foi, porque sempre à distância. Sei que mexia com seus nervos, mas sei também que lhe proporcionei momentos deliciosos, noites felizes ao lado da mulher que nunca aparecia na janela.




Peguei o costume de observar o interior dos apartamentos depois disso, e o dele era bem peculiar: uma bandeira dos Estados Unidos, medalhões de guerra, algo na parede que acho que eram fotos. Sofá sem cor determinada. Não dava para imaginar o que o cara era, com o que trabalhava. Só sei que usava cuecas brancas e que desenvolveu em mim, maravilhosamente, a deliciosa vontade de ser observada. Um devaneio.

Este texto é um agradecimento.


Deixei de lado as cortinas, elas já não me servem para nada. Quem vem me visitar estranha um pouco a princípio, depois acostuma. O exibicionismo é contagiante!

Este foi o começo. Tenho várias outras histórias desta mini sacada, mas vou pesquisando sobre a arte e contando em doses homeopáticas. Talvez montar uma associação, pois sei que não sou a única a observar e ser observada diariamente. E exibida.





Mademoiselle Monique é Mônica Oliveira. Paulistana, jornalista e exibicionista assumida. Trabalhou para a rádio Patrulha FM, onde fazia entrevistas com políticos, e para jornais e revistas de todos os naipes, entre eles o Diário do Grande ABC e o Agora São Paulo, além de escrever para áreas técnicas e revistas femininas sobre moda, beleza, comportamento e papel da mulher na sociedade moderna. Morou também na Nova Zelândia, onde trabalhou para o Jornal The Ensign, e seu site entra em breve em fase

sábado, 13 de agosto de 2011



Eu e meu pai em algum "dezembro de um ano dourado..."


Este continho é do ano de 2006 e saiu em alguns sites e no meu antigo blog; portanto, algumas pessoas que acompanham as minhas bobagens há algum tempo já o conhecem. Pensei em escrever algo novo, mas não encontrei maneira mais clara de traduzir o que o meu pai significou em minha vida, pois que é uma história verídica. Então, novamente, aí está:

As unhas vermelhas de papai

A morte sempre esteve perto. Com foice e capa preta, sentada no sofá. Acostumei-me a ela. Muito nova, perdi avós maternos, tios. Aos 13 começou a varredura do núcleo familiar e lá se foi vovó Tanica e um cara que eu chamava de pai; figura mitológica, sagrada e papel principal da nossa sociedade. Depois, José Maria, meu irmão com nome santo, mas este é um capítulo tão doloroso que convém deixar pra mais tarde, ou mesmo deixar pra lá.


O primeiro homem da minha vida era mineiro, hipertenso, gostava de literatura budista e de estar em casa com seu pijama. Preocupava-se muito em deixar para os filhos algo que realmente prestasse em um mundo que já começava a falir. E deixou. Devo a ele a minha teimosia e a obstinação, pois que aprendi a ser livre antes do feminismo e de outros ismos.


Nas manhãs quentes de sábado, lembro-me dele me pegando pela mão para assistir ao Desafio ao Galo, espécie de campeonato de futebol esquisito da extinta TV Record. Com os irmãos já crescidos e desinteressados, tornei-me a sua companhia de vestido curto e botas ortopédicas. Contava então com uns cinco ou seis anos de existência e a segurança daqueles momentos fazia-me pensar que a vida seria sempre boa e maldade era coisa de televisão.


Meu pai era inclusive professor, amigo e, na falta de uma irmã para dividir feminices, amiga também. Um dia, sentindo falta de figura feminina nas brincadeiras (mamãe era um pouco séria), tive a idéia de vesti-lo de mulher. Isso mesmo. Espada que era, não foi nada fácil convencê-lo. Aliás foi um trabalhão. Mas venceram o seu excelente senso de humor, sua preguiça e principalmente seu amor por mim. E foi. Sem culpa, como se travestem os homens nos carnavais quando a sociedade assim permite.


Eu começava lá uma descoberta tão importante do significado de ser mulher, mesmo que em um homem: o prazer da produção, de se montar. Primeiro a saia folgada de mamãe. Depois um par de coloridíssimos saltos dos anos 70, em que na verdade só cabiam os dedos. Aí vinha a melhor parte, a mais lúdica: a maquiagem. Sombras, cílios postiços, blush e pó (que naquele tempo já não era mais de arroz), e batom vermelho, até hoje uma paixão. Por fim, a peruca de cachos castanhos (era muito comum ter peruca em casa nessa época), laranjas no peito e um leque feito de papel utilizado para esconder o bigode. Minha moça era feia, alta e um pouco desajeitada. Quando as primas iam de visita, era diversão na certa! Eu ficava muito orgulhosa, pois o meu pai era o mais legal de todos.


Outra vez já crescida resolvi retomar os velhos tempos. Desta vez meu pai ralhou muito mesmo, afinal eu não era mais menina. Mas ainda me amava como tal, e com certa inércia, deixou. Quis incrementar a produção com esmaltes vermelhos, pois seu rosto cansado da doença convencia cada vez menos como senhorita. Ele ficou uma fera e me fez prometer tirar “aquilo” tão logo acabasse a brincadeira.


Acontece que eu esqueci de tirar. Alguns dias depois, chegava da escola quando percebi a tensão no rosto de quem me esperava. Meu pai tinha morrido com as unhas do pé esmaltadas de vermelho. O rapaz da funerária estranhou. Pegou um chumacinho de algodão com acetona e tirou sem fazer perguntas, pois estávamos muito tristes.//

domingo, 31 de julho de 2011

Saudades de escrever, limpar a alma. Sem escrever tanto tempo, um ato de menos esforço e mais felicidade, estava me sentindo meio suja. E é bom voltar à faxina, lavar os tapetes como em começo de ano, limpar os móveis, encher os sacos de lixo do cérebro com as coisas inúteis.

Melhor dia para começar impossível. Domingo cinza combinando demais com reflexão, uma xícara de café e um gato símbolo do conforto. O marido longe, eu e a solidão. Tirando algumas poucas vezes esta senhora temperamental não me incomoda, a gente estabeleceu uma amizade bonita e estranha. E eu voltando a brincar com as palavras: pega aqui, bota ali, cada uma tem um jeito, adoro quase todas. E fazer o meu bolo, meu conto, minha prosa: hoje preciso botar açúcar, ovos. Vou mexendo e mexendo, uma vírgula aqui, um ponto de exclamação, usado de forma tão banal nesses tempos herméticos de internet.

Significa mudança. As coisas mudam, elas estão mudando agora mesmo, não está vendo? Pois é, eu também não via mas agora tá tão diferente que isso também. Embora pareça igual: a cor do cabelo, a expressão. Mas se você reparar onde ninguém repara vai ver que eu mudei e você mudou e nem adianta falar que não.

Porque eu quero mais. Eu não quero comprar uma tevê de LED. Eu não quero comprar nada. Quero sentir. O gosto do arroz que eu vou fazer daqui a pouco. Fazer carinho em cachorro de armazém, na pele de um bebê. Sentir o cheiro do bebê, a loção misturada a um leve odor de fezes, que seja. Humano.

Quero voltar à Amazônia e ver todos os igarapés de novo e sentir a presença de algo tão inexplicável que vai continuar inexplicável aqui – ainda mais para um monte de gente que acha que felicidade é comprar um carrão ou um casaco de uma dessas grifes aí. Eu trocaria isso por uma tarde quase pelada no rio Tupana em tempo de cheia. Lua cheia também e céu estrelado melhor que todos os filmes. Mas falo sozinha e cada vez menos gente é capaz de entender. Tudo bem.

Como já disse, simpatizo muito com a senhora solidão. Fizemos um acordo. E um dia eu espero que tudo fique bem – que é um jeito que eu encontrei de terminar isso aqui.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Para os japoneses e descendentes



Foto: Yinzhao Yang

Eu estudei em escola pública, quando elas eram a melhor opção. E sempre tinha um, dois ou mais descendentes de orientais em cada classe, todos os anos. Filhos de coreanos, chineses e, claro, japoneses. Era um treino, um bom treino para conviver com as diferenças. Esses ainda eram nisseis, uma primeira geração e muitas vezes serviam de tradutores para os próprios pais, donos de quitandas ou feirantes. Gente humilde mas muito exigente, que cobrava dedicação e resultado de seus filhos. Conclusão: os japas passaram a perna na gente, tiravam as notas máximas (e quando não, choravam), estudavam no Bandeirantes e passavam na USP. E a próxima geração veio bem-sucedida e meio abrasileirada. E fomos felizes.


Nos anos 80 e 90 houve uma certa debandada dessa geração, já aculturada, para a terra dos seus ancestrais. O país estava em ótima fase e precisava de mão-de-obra, e muita gente juntou uma grana com trabalho duro. Alguns pensavam em voltar um dia e ficaram mesmo por lá; outros não queriam retornar mas acabaram voltando. E aí vieram os sanseis, que gostavam de pagode e axé e eram meus amigos. E eu os amava como tal: tímidos, disciplinados (mas não tanto quanto foram seus pais), boa gente.


O Japão sempre esteve no meu imaginário e na minha lista de destinos favoritos. Antes dos últimos acontecimentos, estava no top do ranking dos “países que quero conhecer antes de morrer”. Casei em um templo budista e se hoje não assumo essa posição, sempre achei a cultura oriental misteriosa e fascinante, de uma razão muito profunda. É curioso como eles misturam o tradicional e o moderno com tanto refinamento. Que eles não se beijem na rua, que mulheres andem atrás de seus homens, que as gueixas tenham de nascer para servir. Que o karaokê seja uma das formas mais formidáveis de descontar toda a carga emocional de um dia pesado – e como eles devem entender de introversão.


E os filmes: Em O Império dos Sentidos, um dos mais lindos da história cinematográfica, o amor vai além dos limites, como é quando eles resolvem ser intensos. Nessa leva, Ninguém Pode Saber é um dos dramas que mais me tocaram e finalmente, mais recente, Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, com seu olhar estrangeiro.


Eu queria descobrir o Japão. Tentar falar inglês e, de repente, encontrar uma velhinha, pedir informação e descobrir que ela só fala japonês – e responda com mímica ou nem responda. Escutar um heavy metal em japonês ou algo assim, provar da culinária local. Tókio, suas luzes, seu cenário de Blade Runner. De repente dar uma passadinha no interior, ver casas pequenas, o Monte Fuji.
Mangás, pornografia japonesa com suas lolitas atadas, mulheres lânguidas, outros estereótipos. Clichês e não clichês.


Mas guardar dinheiro pra viajar é difícil e demorado, De repente alguém fica doente na família e todo o resto fica pra depois. Ou gasta-se dinheiro com coisas que você pode ver, como um carro, cujo resultado é mais despesas e estresse. A gente acaba esquecendo que a vida passa rápido e que vale mais aquela recordação da paisagem linda na sua frente do que quinhentas prestações. E a vida continua passando.
Aí veio a bomba. A terrível notícia, eu quero dizer. Ainda tenho esperança em conhecer o Japão e sei que, se depender deles, a coisa acontece. Pode demorar, como aconteceu com os filhos dos quitandeiros da minha infância. Mas tudo se consegue quando se trabalha duro, e se a natureza, mãe de todos nós, permitir.


Li hoje que 50 homens estão sacrificando a própria vida, sob intenso risco radioativo, nas usinas do norte – para salvar um país inteiro. São os “50 de Fukushima”. Isso me emociona porque, sinceramente (e posso estar sendo injusta), não sei se o mesmo aconteceria aqui. Melhor pensar que sim.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

De Porto Alegre, minha segunda casa




Post antigo do (também antigo) Blog Ponte Aérea São Paulo-Porto Alegre. Pra matar as saudades e retornar depois do verão


Porto Alegre é tão fotogênica que nem precisa ser muito entendedor pra foto ficar com essa atmosfera linda de fim de tarde, cor azul. Aí é só tomar um chimarrão olhando pro horizonte, pensando na vida. Foto tirada com a minha "modesta máquina sem muitos recursos", do Morro Santa Tereza, também conhecido como "morro da televisão", (é lá que estão localizadas emissoras de televisão como RBS-TV, SBT e Record locais). Aconselho conhecer o local em um final de tarde e, de quebra, apreciar o maravilhoso pôr-do-sol do rio Guaíba, que banha a cidade. Sabe como é, só pra lembrar que a vida é bela ;)

A Usina do Gasômetro , um dos pontos culturais obrigatórios, sempre tem algo muito bom acontecendo, como shows e as peças do Porto Alegre Em Cena


Gosto de caminhar pela rua dos Andradas, também conhecida como rua da praia, observando os pedestres se exercitando, as pessoas tomando sol, as mães e seus carrinhos de bebês e aqueles que não fazem nada.


Não dá para visitar Porto sem conhecer o Mercado Municipal. Não dá. E também não tem erro: muitos ônibus levam ao Centro da cidade (que se você for reparar no mapa, fica na ponta) e qualquer taxista ou porto-alegrense que se preze sabe chegar lá. E lá chegando, repare na arquitetura, original da construção de 1842. O prédio é lindo e guarda surpresas muito bacanas, como as bancas de revistas antigas, as de especiarias tipicamente gaúchas, tipo ervas para mate, cuias de todos os tamanhos (bem mais baratas que na maioria dos outros lugares), etc, etc, etc.
Surpreende ao visitante o grande número de lojas de artigos para umbanda. Um proprietário de uma dessas bancas me disse que Porto Alegre é a capital que mais comercializa estes artigos no Brasil, (o que eu achei curioso e pretendo descobrir a razão, se é que há alguma).

Na última vez que eu visitei o Mercado, no mês passado, havia um imenso brechó no miolo do prédio, imperdível para quem, como eu, é rata de brechó. Tem coisas simplesmente incríveis e necessárias. E claro, tem as coisas de mercado. Separei aqui algumas dicas:
Banca 43:
Temperos, geléias, especiarias, azeites importados da Grécia, do Líbano; queijos da Holanda e geléias são alguns dos cerca de 800 itens. O bacalhau dos mares (filés de três dedos de espessura) é vendido sem pele e sem espinha.

Boxe 95:
Cachaçaria do Mercado - Para os apreciadores, imperdível. Cachaças mineiras, como as branquinhas Seleta e Boazinha (de Salinas), além das gaúchas e as embebidas em barril de carvalho e bálsamo, como a célebre Havana, estão entre aproximadamente 450 rótulos.
Banca 40:

Essa não tem jeito de deixar pra lá. Mesmo. Os 20 sorvetes feitos de forma artesanal, preparados com frutas e nata batida, são o ponto forte do lugar, que tem também sanduíches- e sopas no inverno. E tem a salada de frutas com sorvete e bomba royal (que vai chantilly e três sabores de sorvete).

Lojas 91 e 93:
Naval - O centenário bar é tradicional e serve comidas típicas, como carreteiro de charque e mocotó, além da "comida da vovó", nhoque caseiro feito em panela de barro.

Você pode continuar o passeio e quando estiver visitando o Santander Cultural (que eu já falei por aqui), ou o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), não deixe de tomar um cafézinho nas cafeterias charmosíssimas deles. No Café do Cobre, do Santander, os cafés são combinados com vinho do Porto e licores (hm...). Você pode almoçar no Bistrô do Margs, (um dos meus lugares preferidos na cidade, de onde dá pra observar as pessoas caminhando, falando ao celular, os camelôs, os policiais; enfim a cidade como ela é). Além do lugar ser acolhedor e a comida, muito boa. Mas se a grana for curta, dá pra almoçar bem no andar superior do Mercado mesmo. Tem boas opções a preços honestos. Mas atenção: no Mercado, a maioria das lojas fecha no domingo. E a maioria das barracas fecha entre 17h00 e 19h00.

Mercado Público Municipal
Largo Glênio Peres/Avenida Borges de Medeiros s/n
Centro/Porto Alegre

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

na piscina





Você pode chorar na piscina e ninguém fica perguntando o motivo. Dá umas braçadas, pensa na vida e pronto. Um pouco androide em Blade Runner.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

*Paz



Paz, que paz? Desisti. E olha que eu procurei, viu. Meu sonho era ter paz. Esquecer completamente e para sempre as mortes que fizeram parte do que sou, os terríveis perrengues, a fome que um dia passei. Ah, mas hoje ela está bem, dizem. Não, eu não estou nada bem. Bem que eu queria. Hoje eu moro em um bairro considerado arborizado e seguro. Eu tenho um carrão, eu já fiz oito viagens ao exterior, procurando alguma coisa que nunca achei. Eu já fiz três plásticas pra mudar algo que não muda. Que não vai mudar. Tenho um filho que estuda em uma escola bem frequentada, ele é mimado como todos de sua geração. Tenho uma casa na praia, cheia de vizinhos que têm carros grandes como o meu. Eu tenho todas essas coisas, até saúde eu tenho. Mas esse negócio de paz, eu não tenho. Porque a paz pode até existir, mas só para os outros. Para aquelas pessoas que ficam falando “se Deus quiser”, “com fé em Deus”. Também não dá pra forçar isso aí, essa fé, que eu invejo, eu não tenho. Pronto, fazer o quê...Tudo o que eu sempre quis foi a paz. Mas eu não nasci pra isso não.
A falta de paz é como um vírus sem cura. Você toma os remédios, toma um monte de coisa. E melhora, fica quase bom. Mas ele tá lá, pra sempre. Algumas pessoas são assim, com esse buraco. Elas vão morrer com isso. Eu sou uma delas.
Não fosse os sonhos e a paz seria mais fácil. Mas à noite, sorrateiramente, lá estão eles, lugares onde habito sem querer – onde sempre volto e sempre lembro o que realmente sou. Alguém que nunca viu, nem ouviu, nem cheirou, nem pegou. Nem sentiu a paz.

*Texto ficcional