segunda-feira, 29 de março de 2010

Da ingenuidade e Roberto Carlos




Caí na besteira de ouvir Roberto Carlos enquanto preparava um almoço solitário e sem graça. Alguns CDS da fase “sessentista-setentista” na casa da minha mãe. Saudades. De um tempo bom. Por que será não há nada mais triste do que lembrar de um passado feliz?

Não foi fácil e não consegui engolir, ouvindo a voz do Roberto (de quem não sou tããão fã) dizendo: “Abra os braços pra me guardar/Eu todo vou me entregar/ Começo meio e fim/E a minha cuca ruim.” É bonito e emocionante ouvir um homem se doar por inteiro, mostrar suas fragilidades. Se hoje comove, imagine na época da música, quando as mães ainda ensinavam aos filhos que homem não chora. Acho que veio daí todo o seu sucesso com as mulheres, com a música. Virou rei.

Mas não foi só isso que trouxe o nó na garganta, a falta de energia momentânea, as lágrimas rolando. Me veio à cabeça uma viagem em família, a minha. Rumo a Juiz de Fora, Minas Gerais; a uma felicidade óbvia que era ver avós, tios, primos, etc. A necessidade de tocar suas peles e ouvir seu sotaque preguiçoso de um mundo mais ingênuo.

A minha mãe tinha tudo o que se podia ter de Roberto Carlos em cassetes. Oito horas decorando as músicas a contragosto, enquanto me espremia entre dois irmãos com vento pela janela do carro. Roberto é o ídolo da minha geração de mães. A estrada cheia de verde a recepção calorosa e doce de leite com côco. Hoje nem gosto de ouvir, tamanha a força que reverberam no subconsciente.

Mas aí eu peguei os CDS de uma caixa que foi presente meu, de natal. E escutei. Mexi na bagunça, na gaveta do fundo do fundo de mim, que tava clamando pra respirar. De qualquer forma, acho que fez bem. E depois de tudo isso ainda pude reparar na beleza das canções. Só fico triste com a obviedade da letra de “Progresso”.
“Quem briga com a natureza/Envenena a própria mesa”. Mais uma vez, Robertão estava à frente de seu tempo. Infelizmente ele acertou.

É melhor não saber o que lhe espera. Viva agora.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Do que temos em comum, do que descobriremos


"(...)não adianta fingir que um relacionamento tem futuro se as suas coleções de discos discordam violentamente, ou se os seus filmes favoritos nem falariam um com o outro ao se encontrarem numa festa."*

Ou será que o Eduardo do Legião Urbana se apaixonaria pela Mônica se ela não fosse tão diferente? Não seria triste e óbvio, sem descobertas ou mistério, alguém parecido demais? Tão bom aprender com o outro, coisas sobre o céu, a Terra, a água e o ar.
Agora, que é bom compartilhar os mesmos discos e livros e não brigar sobre o que fazer pro almoço, isso é.

*(Trecho do livro Alta Fidelidade, de Nick Hornby)

quarta-feira, 24 de março de 2010

Com a palavra, a pedestre

Foto: Annie Lebovitz

Sou pedestre, mais do que tudo. Tenho carro, mas descobri recentemente sua inutilidade. Também conto com o privilégio de trabalhar em casa e morar em um bairro sortido, não só de supermercados e lojas, mas também de cinemas, bares, centro de exposições: tudo perto. Em uma cidade como São Paulo, acho que isso significa qualidade de vida. Beleza.

No entanto, como todo mundo às vezes preciso me deslocar um pouco mais. Carro? Nem pensar. Não há o que justifique o stress, a disputa com motoristas sem educação, a taxa do estacionamento (claro que não tem lugar na rua); os débeis mentais que param em fila dupla ou em vaga de deficiente. No, thanks. Vou de ônibus, de metrô. À noite vou de táxi.

De uns tempos pra cá é comum ver alguns ciclistas na calçada. Sim, na CALÇADA. Um ou dois na rua, de capacete e tal. O resto, na calçada. Outro dia tava caminhando com a minha sobrinha de três anos e um “bicicleteiro de fim de semana” (ciclista pra mim é outra coisa), quase atropela a criança. Protestei e ele por pouco não me agrediu.

Ah, sim, é perigoso porque os motoristas não respeitam os ciclistas. Sei...Aí esses, por sinal, não respeitam os pedestres, a parte mais fraca de toda a história. Ninguém faz campanha pra pedestre, não há protestos, como aquele quando morreu uma ciclista na Avenida Paulista. Lembrei da minha visita à Copenhagen, capital da Dinamarca: ciclovia em praticamente todas as ruas, bicicletas em todos os lugares. Eu não fui atropelada e nunca caminhei com tanta segurança.

O fato é que nosso modelo de trânsito privilegia o carro – o que num futuro não muito distante se mostrará falido. Isso não é culpa minha, faço a minha parte. No meu mundo perfeito deixaria uma faixa somente para as bikes. Gosto de bicicleta. Mas não na São Paulo de hoje e não nessa estrutura ridícula. Os policiais? Assistem a tudo das cabines, não fazem nada. Ninguém me contou, vejo todos os dias. Cidadania não deve constar no treinamento.

Aí vem o “bicicleteiro” sem noção e sem educação e acha, assim como os motoristas de carro na rua, que a calçada é dele. Meu querido, não é. E não deixa de ser engraçado algumas dessas pessoas acharem que são “politicamente corretas” porque usam um veículo não poluente. Só não percebem que estão prejudicando outras pessoas. E não há nada de civilizado nisso.

A parte fraca, sem carro e sem bicicleta, não pode contar com ninguém. Só com as próprias pernas.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Do prazer de beber

Aproveitar o espírito do dia de St Patrick para homenagear uma das boas coisas da vida: comemorar entre amigos, com a tal da moderação. Sem violência e sem alcoolismo, um texto do legendário Lin Yutang, de quem sou fã incondicional...

“Há um momento e local adequados para embriagar-se. Deve-se embriagar-se ante as flores, de dia, a fim de assimilar a sua luz e colorido; e embriagar-se quando neva, à noite, para arejar as ideias. O homem que se embriaga quando se sente feliz por uma vitória deve cantar, a fim de harmonizar seu espírito. Um sábio embriagado deve cuidar de sua conduta, a fim de evitar humilhações; e um militar ébrio deve pedir vinho em abundância e usar mais distintivos a fim de aumentar seu esplendor militar. Em uma torre deve-se beber no verão, a fim de aproveitar o ambiente fresco; e, a bordo, deve-se beber no outono, a fim de aumentar a sensação de jubilosa liberdade. Estas são as devidas formas de beber, no tocante a estados d´alma e ambientes, e violar tais regras é perder o prazer da bebida. (...)

É lindo de ver quando a companhia chega a um estado em que todos se esquecem de si e os convidados gritam pedindo mais vinho ou abandonam ou trocam seus lugares e ninguém mais se lembra quem é o dono da casa e quem são os convidados. Isto degenera comumente num grande orgulho e finura (...)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Do animal como souvenir

Por que você não fica por aí um dia inteiro, pra ver como é ruim?


Há quem diga que gostar de ler é um dom, uma espécie de predestinação. Mas eu acho que se ninguém apresentar, de modo agradável, um livro a uma criança, ela nada descobrirá. Da mesma forma, não vejo como amar e respeitar a natureza possa ser natural do ser humano. Não é.

Lembra dos índios? Em minha viagem à Amazônia conheci um. Fiquei besta com sua sabedoria “natural”, com a qualidade das suas informações, sobre ervas que curam, sobre sobreviver com pouco e bem. Ele não entende de motor de carro, do design avançado, sua mulher não sabe qual o vestido que lhe cai bem (até porque não precisa de um). Mas entendem de felicidade como poucos.

Este índio me falava de como aprendeu os segredos da selva com sua avó. Alguns, inclusive, passou pra mim, naquele momento. Fiquei honrada e feliz de estar ali. Um sentimento difícil de explicar.

Nosso personagem índio já foi criança. Aprendeu a viver da natureza (como não há outro jeito) e sabe que dependemos dela para absolutamente tudo. Como não respeitá-la? Um raciocínio lógico, simples, inteligente. Mas que muita gente esqueceu...

Outro dia conversava com um amigo (este da cidade), que me falava sobre a “hiperatividade” do seu filhinho. E como hoje em dia não há quintal de goiabeiras, nem outras crianças para fazer arte e reinações (porque brincar na rua é muito perigoso e de todo modo, você não encontra outras crianças brincando na rua), o pimpolho morria de tédio e acabava importunando os adultos que, sem saco, optaram por uma solução prática. Contrataram uma psicóloga, que “receitou” um animal de estimação.

Prescrição dada por um “profissional”, lá vai o pai no Pet Shop mais próximo, doido pra ver se o filho continha a curiosidade típica da idade – e que em outro contexto poderia ser bem saudável. Lá vem a vendedora de aventalzinho branco, que recomenda um cachorro ou uma calopsita (espécie de arara branca). Ora, o primeiro obriga os donos a exercitarem-se e tomar cuidados de higiene bem mais trabalhosos.

A ave era um filhote. Duas crianças presas e tristes, fazendo companhia um ao outro. Dois seres cujas asas foram cortadas. Triste destino, nascer ave e bonita. Triste destino, ser criança nos dias de hoje.

Lembrei da Amazônia e dos pássaros livres, voando pra lá e pra cá – e foi um dos espetáculos mais lindos que eu já vi. É engraçado como o homem esquece, quando aprisiona um animal selvagem, de tudo o que isso acarreta. Ele está, simplesmente, ajudando a acabar com o mundo – mundo este que vai ficar para os seus filhos “de asas cortadas”. E com as espécies. Tudo por um capricho efêmero. Como se tudo estivesse à venda. Como se nada sentisse fome, solidão, sede ou frio.

Deste modo, fica difícil as crianças de hoje respeitarem estes animais. Elas nunca os viram livres, alimentando seus filhotes. Limpando-os. Os adultos as ensinam: eles são objetos, para enfeitar, fazer casacos de pele...Infelizmente, muitas aprendem e tornam-se adultos que não deveriam existir.

Sonho com o dia em que vai ser proibido aprisionar pássaros (de qualquer origem), felinos selvagens e macacos em gaiolas. E isso vale para os criados em cativeiro (que não chegam nem a conhecer os seus pais e nascem aprisionados).

quarta-feira, 3 de março de 2010

Voltei

Ilustração: Wallace Masuko


Nossa, voltei ao blog. Depois de problemas pessoais envolvendo saúde e perrengues em geral, que te tiram a vontade de respirar. Confesso, eu me apaixonei pelo imediatismo do Twitter, seguindo uma tendência da blogosfera.

Mas a velha necessidade que alguns têm de escrever (O QUE DER NA TELHA) e um pouco mais do que 140 caracteres não sai de moda, ao menos não da minha.
Isso, só aqui. Apesar da agonia da página branca no Word, que antecede a digitação. Apesar do começo. Porque depois de cada texto concebido, vem o alívio. Pra vida ficar mais leve, apesar do meu tempero pesado e frio.

É isso mesmo. Quem acompanha este blog sabe que o tom tem sido pessimista, contraindicado para depressivos, bipolares e suicidas em geral.

Os assuntos que me vem à cabeça são, na maioria das vezes, terríveis. Eu deveria assistir a comédias românticas, ouvir axé, gostar de sol. Eu não gosto de nada disso. Não consigo fingir que não está acontecendo, não consigo pensar em outra coisa logo em seguida O que não ajuda, porque o mundo vai continuar uma merda, apesar da minha agonia.

Agradeço a todos que perdem tempo lendo as minhas mal traçadas linhas. Convido-os a voltar, se houver algum tipo de identificação. Porque eu retorno com a esperança de continuar escrevendo, enquanto viver.