segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

*Paz



Paz, que paz? Desisti. E olha que eu procurei, viu. Meu sonho era ter paz. Esquecer completamente e para sempre as mortes que fizeram parte do que sou, os terríveis perrengues, a fome que um dia passei. Ah, mas hoje ela está bem, dizem. Não, eu não estou nada bem. Bem que eu queria. Hoje eu moro em um bairro considerado arborizado e seguro. Eu tenho um carrão, eu já fiz oito viagens ao exterior, procurando alguma coisa que nunca achei. Eu já fiz três plásticas pra mudar algo que não muda. Que não vai mudar. Tenho um filho que estuda em uma escola bem frequentada, ele é mimado como todos de sua geração. Tenho uma casa na praia, cheia de vizinhos que têm carros grandes como o meu. Eu tenho todas essas coisas, até saúde eu tenho. Mas esse negócio de paz, eu não tenho. Porque a paz pode até existir, mas só para os outros. Para aquelas pessoas que ficam falando “se Deus quiser”, “com fé em Deus”. Também não dá pra forçar isso aí, essa fé, que eu invejo, eu não tenho. Pronto, fazer o quê...Tudo o que eu sempre quis foi a paz. Mas eu não nasci pra isso não.
A falta de paz é como um vírus sem cura. Você toma os remédios, toma um monte de coisa. E melhora, fica quase bom. Mas ele tá lá, pra sempre. Algumas pessoas são assim, com esse buraco. Elas vão morrer com isso. Eu sou uma delas.
Não fosse os sonhos e a paz seria mais fácil. Mas à noite, sorrateiramente, lá estão eles, lugares onde habito sem querer – onde sempre volto e sempre lembro o que realmente sou. Alguém que nunca viu, nem ouviu, nem cheirou, nem pegou. Nem sentiu a paz.

*Texto ficcional