Personagens femininos da literatura 2- Emília
Homenagem à Monteiro Lobato e sua primeira feminista brasileira:
ilustração: Manoel Victor Filho
“Verdade é uma espécie de mentira bem pregada, das que ninguém desconfia. Só isso.”
Emília
“(...) _ A boneca da Narizinho está falando!...
A boa negra deu uma risada gostosa, com a beiçaria inteira.
_ Impossível, sinhá! Isso é coisa que nunca se viu. Narizinho está mangando com mecê.
_ Mangando o seu nariz! – gritou Emília furiosa. Falo, sim, e hei de falar. Eu não falava porque era muda, mas o doutor Cara de Coruja me deu uma bolinha de barriga de sapo e eu engoli e fiquei falando e hei de falar a vida inteira, sabe?
A negra abriu a maior boca do mundo.
_E fala mesmo, sinhá!...- exclamou no auge do assombro. Fala que nem uma gente! Credo! O mundo está perdido...
E encostou-se à parede para não cair.
(...) Dona Benta era outra que achava muita graça nas maluquices da boneca. Todas as noites punha-a ao colo para lhe contar histórias. Porque não havia no mundo quem gostasse mais de história do que a boneca. Vivia pedindo que lhe contassem a história de tudo – do tapete, do cuco, do armário. Quando soube que Pedrinho, o outro neto de dona Benta, estava para vir passar uns tempos no sítio, pediu a história de Pedrinho.
_Pedrinho não tem história – respondeu dona Benta rindo-se. É um menino de dez anos que nunca saiu da casa de minha filha Antonica e portanto nada fez ainda e nada conhece do mundo. Como há de ter história?
_Essa é boa! – replicou a boneca. Aquele livro de capa vermelha da sua estante também nunca saiu de casa e no entanto tem mais de dez histórias dentro.
Dona Benta voltou-se para tia Nastácia.
_ Esta Emília diz tanta asneira que é quase impossível conversar com ela. Chega a atrapalhar a gente.
_É porque é de pano, sinhá – explicou a preta- e dum paninho muito ordinário. Se eu imaginasse que ela ia aprender a falar, eu tinha feito ela de seda, ou pelo menos dum retalho daquele seu vestido de ir à missa.
Emília
“(...) _ A boneca da Narizinho está falando!...
A boa negra deu uma risada gostosa, com a beiçaria inteira.
_ Impossível, sinhá! Isso é coisa que nunca se viu. Narizinho está mangando com mecê.
_ Mangando o seu nariz! – gritou Emília furiosa. Falo, sim, e hei de falar. Eu não falava porque era muda, mas o doutor Cara de Coruja me deu uma bolinha de barriga de sapo e eu engoli e fiquei falando e hei de falar a vida inteira, sabe?
A negra abriu a maior boca do mundo.
_E fala mesmo, sinhá!...- exclamou no auge do assombro. Fala que nem uma gente! Credo! O mundo está perdido...
E encostou-se à parede para não cair.
(...) Dona Benta era outra que achava muita graça nas maluquices da boneca. Todas as noites punha-a ao colo para lhe contar histórias. Porque não havia no mundo quem gostasse mais de história do que a boneca. Vivia pedindo que lhe contassem a história de tudo – do tapete, do cuco, do armário. Quando soube que Pedrinho, o outro neto de dona Benta, estava para vir passar uns tempos no sítio, pediu a história de Pedrinho.
_Pedrinho não tem história – respondeu dona Benta rindo-se. É um menino de dez anos que nunca saiu da casa de minha filha Antonica e portanto nada fez ainda e nada conhece do mundo. Como há de ter história?
_Essa é boa! – replicou a boneca. Aquele livro de capa vermelha da sua estante também nunca saiu de casa e no entanto tem mais de dez histórias dentro.
Dona Benta voltou-se para tia Nastácia.
_ Esta Emília diz tanta asneira que é quase impossível conversar com ela. Chega a atrapalhar a gente.
_É porque é de pano, sinhá – explicou a preta- e dum paninho muito ordinário. Se eu imaginasse que ela ia aprender a falar, eu tinha feito ela de seda, ou pelo menos dum retalho daquele seu vestido de ir à missa.
(...) A rede armada entre pés de cadeira fora abandonada desde que a boneca aprendeu a falar. Dormiam juntas para conversar até que o sono viesse.
_Mas Emília, como é que você entende a linguagem das formigas – perguntou Narizinho logo que se deitou.
A boneca refletiu um bocado e respondeu:
_Entendo porque sou de pano.
Narizinho deu uma gargalhada.
_Isso não é resposta duma senhora inteligente. O meu vestido também é de pano e não entende coisa nenhuma.
_Então é porque eu sou de macela – disse.
Nova risada de Narizinho.
_Também não é resposta. Este travesseiro é de macela e entende as formigas tanto quanto eu.
_Então...então...engasgou Emília, com o dedinho na testa. Então não sei.
Era a primeira vez que Emília se embaraçava numa resposta. Primeira e última. Nunca mais houve pergunta que a atrapalhasse.
(...) Antes de pingar o ponto final quero que saibam que é uma grande mentira o que anda escrito a respeito do meu coração. Dizem todos que não tenho coração. É falso. Tenho, sim, um lindo coração – só que não é de banana. Coisinhas à toa não o impressionam; mas ele dói quando vê uma injustiça.”
(Reinações de Narizinho/Memórias de Emília – Monteiro Lobato)
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