Pequenas mortes
Foto: Nic Ut
Tenho uma angústia que me corrói e cujo tamanho me assusta, mas eu a alimento. Direitinho, como tem que ser: almoço e jantar. Não é difícil, porque qualquer desgraçinha aumenta o rombo irreversível em meu coração.
Se vejo uma mãe jogada na calçada com um bebê no colo, eu morro por dentro. Se vejo um homem procurando comida na lixeira da cidade, eu morro por dentro. Em uma cidade do Paraná, um casal mudou e não levou o cachorro, que ficou parado todos os dias em frente à antiga casa esperando o dono voltar, com uma dor tão grande nos olhos que invadia tudo em volta dele. Acabou morrendo. Hoje eu li. Hoje eu morro por dentro.
Soube, também hoje, que uma bancada ruralista no Congresso deste país que a gente, (você e eu), ajudou a eleger, está tentando, sob o argumento de “regularizar a situação”, desmatar ainda mais a Amazônia. Neste projeto, empresas e agricultores que ocuparam a região terão direito à “propriedade” (mata tropical com diversas espécies que irão para o saco), basta pagar. E o que eles vão fazer? Provavelmente criar gado e entupir churrascarias.
Então eu morro por dentro.
Tem outros motivos que também me fazem morrer. É uma mortezinha. Quando alguém joga lixo na rua, deixando a cidade um pouco mais decrépita e triste, eu também fico. O mesmo vale para bitucas de cigarro (eu jamais beijaria um homem que jogasse aquelas bituquinhas no chão ou sentasse nos assentos preferenciais no metrô).
Pessoas que têm filhos em condições miseráveis e/ou sem condições psicológicas também ajudam a morrer. O resultado quase sempre é ruim e não há poesia nenhuma nisso. Faz parte de uma banalização da vida, que me mata mais do que tudo.
A única coisa que não me mata – e sim me deixa com raiva – é uma classe média que não tem a mínima noção de como é ridícula. São aqueles que estão loucos para comprar carros cada vez mais poluidores para botar sua prole, crianças mimadas e tão ou mais consumistas que os pais. Adultos intolerantes de amanhã, incapazes de ouvir um NÃO ou de lutar pela natureza, já que não aprendeu a respeitá-la e com certeza não conviveu com ela. Incapazes de viver com as diferenças, já que dentro do condomínio todo mundo é igual, como uma produção em série.
No entanto, com tantas mortes, ainda estou viva, procurando por uma maneira de parar de sentir tanto. Não consigo nem endurecer, nem perder a ternura. Não sei não querer saber. E tento furiosamente resgatar uma capacidade antiga de ficar feliz com pequenas coisas.
Mas não consigo.
5 Comentários:
Mô: que lindo e que triste. Essas coisas todas também apagam meu sorriso e testam a cada dia a minha tolerância, mas decidi que preciso de pelo menos de um motivo no dia que me tire um sorriso: correndo o risco de ser piegas, arrisco dizer que meu filho é uma fonte inesgtável de boas risadas. Mas também ajuda dar uma fugidinha da leitura diária do caderno de economia para as tirinhas do Calvin. Ou começar a leitura do jornal pela coluna do Tutty Vasques, que às vezes é bem bobinha, mas também traz tiradas divertidas.
beijo grande, estou com saudades. Paty
Me mata aos poucos tb.
Como sou fumante vou prestar atençao, nas bitucas. Conte comigo!
Beijo.
Querida, amada Paty! Ótimas sugestões para alguém como eu! Uma vez por dia, não é? Vou aderir. Saudade miiilll!!!
Dona Erika, não quero ser a "chata politicamente correta" e não vou mandar ninguém parar de fumar por aqui. Mas acho que os fumantes poderiam jogar as bitucas no lixo né? Sei lá, dá uma apagadinha antes. É feio de ver jogar no chão.
Loviú!
Concordo plenamente com sua opinião, podem fumar, desde que não ajudem a sujar ainda mais a cidade e estabelecimentos. Passa lá no www.vivijour.blogspot.com que eu tenho um selo para você! Beijos...
vivi, que ótimo.
concordo com a sua opinião, obviamente. e obrigada!
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