quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Personagens femininos da literatura - *Cass

ilustração: niko stumpo

Das 5 irmãs, Cass era a mais moça e a mais bela. E a mais linda mulher da cidade. Mestiça de índia, de corpo flexível, estranho, sinuoso que nem cobra e fogoso como os olhos: um fogaréu vivo ambulante. Espírito impaciente para romper o molde incapaz de retê-lo. Os cabelos pretos, longos e sedosos, ondulavam e balançavam ao andar. Sempre muito animada ou então deprimida, com Cass não havia esse negócio de meio- termo. Segundo alguns, era louca. Opinião de apáticos. Que jamais poderiam compreendê-la. Para os homens, parecia apenas uma máquina de fazer sexo e pouco estavam ligando para a possibilidade de que fosse maluca. (...)

Costumava mostrar-se boazinha com os feios e revoltava-se contra os considerados bonitos – “uns frouxos”, dizia, “sem graça nenhuma. (...)

O pai havia morrido alcoólatra e a mãe fugira de casa, abandonando as filhas. As meninas procuraram um parente, que resolveu interná-las num convento. Experiência nada interessante, sobretudo para Cass. As colegas eram muito cimentas e teve que brigar com a maioria. Trazia marcas de lâmina de gilete por todo o braço esquerdo, de tanto se defender durante as brigas. Guardava, inclusive, uma cicatriz indelével na face esquerda, que em vez de empanar-lhe a beleza só servia para realçá-la.

Conheci Cass uma noite no West End Bar. Fazia vários dias que tinha saído do convento. Por ser a caçula entre as irmãs, fora a última a sair. Simplesmente entrou e sentou do meu lado. Eu era provavelmente o homem mais feio da cidade – o que bem pode ter contribuído.

(...) Ficamos com tesão e resolvemos ir para a cama. Foi então que Cass tirou o vestido de gola fechada e vi a horrenda cicatriza irregular no pescoço – grande e saliente.

_Puta que pariu, criatura- exclamei, já deitado. – Puta que pariu. Como é que você foi me fazer uma coisa dessas?

_Experimentei uma noite, com um caco de garrafa. Não gosta mais de mim? Deixei de ser bonita?

Puxei-a para a cama e dei-lhe um beijo na boca (...)

_Uma pena o que houve com sua amiga.

_Pena por quê?- estranhei.

_Desculpe. Pensei que soubesse.

_Não.

_Se suicidou. Foi enterrada ontem.

_Enterrada? – repeti.

Estava com a sensação de que ela ia entrar a qualquer momento pela porta da rua. Como poderia estar morta?

_Sim, pelas irmãs.

_Se suicidou? Pode-se saber de que modo?

_Cortou a garganta.

_Ah. Me dá outra dose.

*A Mais Linda Mulher da Cidade - Crônica de um amor louco - Charles Bukowski

2 Comentários:

Às 27 de fevereiro de 2009 às 10:41 , Anonymous Anônimo disse...

Adorei sua forma de escrever. Achei pelo google, numa busca pelo nome dessa flor desavergonhada. Também sou uma, ao menos no apelido: ninaflores.
O texto da bolsa é ótimo. Permite que eu republique no meu blog com teu crédito?

 
Às 2 de março de 2009 às 06:01 , Anonymous Anônimo disse...

olá nina, desculpe-me a demora! eu mesma às vezes esqueço que tenho um blog, dá pra acreditar?
claro que pode publicar o texto da bolsa! fiquei toda prosa com o convite, é uma honra pra mim!
abração!

 

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