A bolsa e a (minha) vida*
* Personagem fictício
Há uma punição divina para os descuidados. “Quem perdeu foi relaxado”, é o que diz a cruel voz do povo. Naquele dia em que perdi a bolsa foi que aprendi.
Qualquer mulher, de qualquer parte do mundo, sabe que a bolsa é sua extensão. As afegãs carregam por baixo da burca e duvido que as índias não usem alguma sacolinha feita sei-lá-do-quê pela mata. Já os homens morrem de medo de pegar em bolsa de mulher, no que estão muito certos. Não é prudente desbravar mistérios desta maneira. A bolsa é sagrada - e quanto mais importante o que se perde, maior o castigo.
O primeiro passo para recuperar minha bolsa foi puxar pela memória. Lembrei apenas de seu conteúdo: lenço de papel, lista de problemas em ordem alfabética, dez reais com durex envolto no meio de um palavrão cabeludo (literalmente); óculos de grau e de sol, protetor solar e auricular. E um celular pobrezinho, sem mais avanços tecnológicos. Ruim mesmo seriam os documentos e o tempo perdido nas repartições burocráticas. Até que lembrei...
A chave de casa e o endereço. Que espécie de idiota anda com o endereço na bolsa? Eu. Sem falar nos exames médicos que não cheguei a abrir. A pessoa que encontrasse tudo aquilo, se curiosa, conheceria o meu corpo melhor do que eu. E a alma também.
Essa era a pior parte. Tenho o hábito de escrever em um diário. Torci para que o cidadão X em questão fosse um ser de boa fé e não algum desses serial killers que a gente vê em filme. Uma mulher compreenderia melhor porque caí na cantada sem classe do patrão. E que estava desesperada para desencalhar. Que sou vingativa, morro de inveja de uma amiga e fiz plástica no nariz. Que às vezes sinto vontade de estrangular crianças histéricas no shopping (essa parte acho que um serial killer entenderia).
Adormeci com esses pensamentos e um cabo de vassoura na mão, no caso de X ser mesmo um assassino perigoso. Acordei com o telefone. Eu havia feito uma entrevista de emprego no dia anterior e deixei a bolsa na sala do chefe.
Fui resgatar meu tesouro. Apareceu o porteiro do prédio, bolsa em uma mão, diário na outra. Seu olhar começou pelas minhas sandálias e foi subindo, parando um pouquinho em algumas partes. Era um misto de malícia e autoridade. Ele SABIA. Perdi um pouco das forças e respirei como na aula de ginástica. Peguei tudo com o objetivo urgente de sair para qualquer lugar, refletindo nos espelhos indesejáveis da escada rolante. Nunca mais voltaria àquele lugar, jurei. Chego em casa e toca o telefone. Estava contratada.
Qualquer mulher, de qualquer parte do mundo, sabe que a bolsa é sua extensão. As afegãs carregam por baixo da burca e duvido que as índias não usem alguma sacolinha feita sei-lá-do-quê pela mata. Já os homens morrem de medo de pegar em bolsa de mulher, no que estão muito certos. Não é prudente desbravar mistérios desta maneira. A bolsa é sagrada - e quanto mais importante o que se perde, maior o castigo.
O primeiro passo para recuperar minha bolsa foi puxar pela memória. Lembrei apenas de seu conteúdo: lenço de papel, lista de problemas em ordem alfabética, dez reais com durex envolto no meio de um palavrão cabeludo (literalmente); óculos de grau e de sol, protetor solar e auricular. E um celular pobrezinho, sem mais avanços tecnológicos. Ruim mesmo seriam os documentos e o tempo perdido nas repartições burocráticas. Até que lembrei...
A chave de casa e o endereço. Que espécie de idiota anda com o endereço na bolsa? Eu. Sem falar nos exames médicos que não cheguei a abrir. A pessoa que encontrasse tudo aquilo, se curiosa, conheceria o meu corpo melhor do que eu. E a alma também.
Essa era a pior parte. Tenho o hábito de escrever em um diário. Torci para que o cidadão X em questão fosse um ser de boa fé e não algum desses serial killers que a gente vê em filme. Uma mulher compreenderia melhor porque caí na cantada sem classe do patrão. E que estava desesperada para desencalhar. Que sou vingativa, morro de inveja de uma amiga e fiz plástica no nariz. Que às vezes sinto vontade de estrangular crianças histéricas no shopping (essa parte acho que um serial killer entenderia).
Adormeci com esses pensamentos e um cabo de vassoura na mão, no caso de X ser mesmo um assassino perigoso. Acordei com o telefone. Eu havia feito uma entrevista de emprego no dia anterior e deixei a bolsa na sala do chefe.
Fui resgatar meu tesouro. Apareceu o porteiro do prédio, bolsa em uma mão, diário na outra. Seu olhar começou pelas minhas sandálias e foi subindo, parando um pouquinho em algumas partes. Era um misto de malícia e autoridade. Ele SABIA. Perdi um pouco das forças e respirei como na aula de ginástica. Peguei tudo com o objetivo urgente de sair para qualquer lugar, refletindo nos espelhos indesejáveis da escada rolante. Nunca mais voltaria àquele lugar, jurei. Chego em casa e toca o telefone. Estava contratada.
5 Comentários:
Putz! Que história... Tem cada coisa que acontece conosco...
Adorei o blog!
Abraços!
Adorei! Texto perfeito e você me radiografou, tanto com o conteúdo da bolsa quanto nas atitudes.
Você já leu um conto do Mario Prata chamado "Criado-mudo"? Tá no livro Minhas Tudo e você vai se identificar demais. Se você não leu, te levo o livro quando for te visitar. Tudo ali é uma delícia de ler.
Beijos, gateira bonita. ;-)
Tks, querida!
Infelizmente não li o livro não. Mas já anotei a sugestão! Obrigada por visitar o blog.
Beijos.
Mô, show, como sempre! Tb recomendo "Minhas tudo" do Mario Prata!
Descubram essa garota, urgente! Ela é ótima!
tenho mesmo que ler esse livro!
beijo linda!
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