quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Compreensão



ilustração: Rosana Paulino

“Deixa-os partir. Voltarão um dia. O essencial é que tenham a sensação de fazer algo proibido...Deixa-os aproveitar o seu verão. As feridas, a sabedoria e outros embrutecimentos os farão voltar bem depressa.”*


Era uma excitação, era o primeiro! Era em toda a casa, logo que a mãe saía pra trabalhar. Até na laje, vizinho maldizendo. Chegava da escola e botava blusinha de algodão. Ele vinha confiante, suspenso pela espinha dorsal. À tardinha ela espremia as espinhas nas costas dele pelo simples gosto de o fazer.

Amancebaram no quartinho da mãe, atrás da laje. Tinham um filho e os nomes registrados no serviço de proteção ao crédito. Desempregados. O bebê chorava alto e o tempo todo, ela baixinho. Ele se chegava, queria um pouco, só um pouquinho. Pressionava.

Passou a representar, tão nova e tão bem. Gemidos, olhos, tremores, enquanto uma ansiedade reprimida sufocava por dentro. Foi numa dessas noites de amor fingido que fizeram o outro filho. O instinto materno ecoava que a melhor forma de protegê-lo era não deixar que viesse ao mundo. Fome não tem graça. Contou para ele, que a repreendeu, ameaçou contar para o padre. A mãe também pressionou: “Filho é uma bênção, como tem coragem. É pecado. Onde come um comem três.”

Dissera isso quando o outro nasceu, mas a verdade é que em alguns dias, nem comiam. Passou a odiar o marido. Não há ódio maior do que esse que sentimos quando alguém quer impor seu juízo e sua crença.
No outro dia foi na casa da mãe de anjo, hesitou. Mas lembrou-se do outro chorando de fome, tomou o “remédio” e foi em frente. Sentiu cólicas fortes e uma fragilidade tão grande que desmaiou.

Acordou com a mãe de anjo segurando na sua mão. “Não se culpe, menina. A culpa vem da falta de compreensão, que vem do conhecimento das coisas. Quando a gente sabe, compreende e o coração conserta.”
Ela, fraca e deprimida, não entendia nada, mas sentia-se precisada de seu toque suave e de seu tom de voz compreensivo. E dormiu.


* De um personagem do filme Quando as Mulheres Esperam – Ingmar Bergman (sobre a fuga de dois jovens)

2 Comentários:

Às 13 de novembro de 2008 às 13:53 , Blogger Unknown disse...

Texto bom; forte, curto, choca... e real, e real...

 
Às 17 de novembro de 2008 às 08:46 , Anonymous Anônimo disse...

obrigada má!

bj.

 

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