quarta-feira, 29 de julho de 2009

O poder da mulher, por Rubem Braga

Foto: Bert Stern

Conversando com amigos e relembrando histórias de vida - das estrelas de rock, de grandes líderes, de outros amigos - percebemos a enorme quantidade de mulheres que ergueram - ou ajudaram a derrubar para sempre - muitos figurões. De Cleópatra e Mônica Lewinski, (ou da outra Mônica, a Veloso, amante daquele político alagoano) somos a causa de várias tretas, impeachments e até de guerras.

Lembrei de uma vez, recém-saída da adolescência, quando seduzi um garoto mórmon, bem bobalhão. Foi o máximo. É um poder nato e não deixa de ser confortável usá-lo de vez em quando.

Para ilustrar o que quero dizer (e como estou sem inspiração), presenteio os leitores deste blog com um trecho de uma das deliciosas crônicas* do saudoso Rubem Braga.

E como ele é infinitamente melhor do que eu, acho que farão muito gosto desta pequena folga ;)

"(...) Dia 21 - O que me aconteceu foi surpreendente. Fui à cidade procurar o senador, com quem, por sinal, não consegui falar. Estive com Clóvis, que me falou da prisão, ontem, de vários amigos, inclusive o Dunga. Quando subia no ônibus, alguém me agarrou pelo braço. Tremi de susto.
Voltei-me; era um sujeito desconhecido, de chapéu. Perguntou se me lembrava dele. Embaraçado, disse-lhe que não podia perder aquele ônibus; ele disse que vinha comigo. Só podia ser tira, ainda mais de chapéu.

Não era tira, era careca. Não o reconheci logo porque havia raspado os grandes bigodes louros que sempre usou. É um securitário, Edgar, que conheci por ocasião de uma greve. Antes de chegar à pensão, tive um palpite; saltei do ônibus com Edgar e telefonei do café da esquina perguntando se havia algum recado para mim. Dona Dolores me disse que estavam lá dois amigos me esperando; perguntou se eu queria que ela chamasse. Como não dei meu endereço a ninguém, vi logo do que se tratava. De qualquer modo, esperei; Dona Dolores voltou e disse que os dois tinham ido embora e não tinham deixado os nomes. Depois, mais baixo, disse: "Não venha aqui, não." Estou escrevendo na casa do Edgar onde vou dormir esta noite.

Dia 24 - Edgar é formidável. Não me deixou sair de sua casa. Sua mulher é muito simpática; tem uma filhinha de dois anos. Preciso arranjar dinheiro e dar o fora, pois se por acaso eu for preso aqui, Edgar também irá comigo, e talvez até Alice. Alice é muito esclarecida. Edgar foi à pensão ver se trazia minhas coisas, mas Dona Dolores disse que a polícia carregou tudo. Até o livro de Spengler foi em cana. Ainda bem que meus papéis mais importantes estavam na pasta.

Dia 26 - Telefonei ao Clóvis, e ele veio me ver ontem. A polícia me procurou também na redação. Ontem foi presa a Linda, mulher do Alcir; saiu nos jornais. Com um bilhete meu, o Clóvis procurou o senador, que me mandou algum dinheiro, ele disse ao Clóvis que devia muitos favores ao meu falecido pai, o que é verdade; de qualquer modo, foi alinhado. Eu podia fugir para Minas com esse dinheiro, mas tive de pedir ao Clóvis para me comprar roupa, escova de dentes, chinelos, etc., pois estava usando as roupas do Edgar, que é um pouco mais baixo do que eu. Como não tenho o que fazer, e não me arrisco mais a sair de casa, eu mesmo quis lavar minha roupa, mas Alice não deixa de modo algum.
Clóvis foi à editora ver se arranja uma tradução qualquer para eu fazer, com uma parte do dinheiro adiantada, mas o diretor está em São Paulo.

Dia 28 - Estou com os nervos arrebentados por causa da Alice - quando Edgar vai para a Companhia de Seguros...seria o cúmulo da sem-vergonhice! Se eu tivesse qualquer coisa com essa mulher, seria o último dos cachorros.

1.o de março - Sou. "

*Diário de um Subversivo
(no remoto ano de 1936) - Os Melhores Contos de Rubem Braga - seleção Davi Arrigucci Jr.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial