domingo, 17 de janeiro de 2010

Joãozinho

"Moça de joãozinho no cabelo
Faz de conta no espelho
Faz de conta no espelho
Abre a porta e vai para o asfalto
Lisa a ponta do cabelo
Alisa a ponta do cabelo

Corre quando começa a chover
Olha só vai enrolar
O cabelo encolher
Vem ver Maria
Vem ver Maria, Joãozinho
Vem ver Maria
Vem ver Maria
De joãozinho"

(Vanessa da Matta)


Comecei o ano assim, de cabelos (BEM) curtos, Joãozinho. Vontade de ser menino um pouco, saber como é. Atravessar o arco-íris e descobrir; e atravessar de novo pra revirar menina, que é o que estou predestinada a ser.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Da Nova Zelândia e de novas desventuras









Ah, a Nova Zelândia...


Voltei a esse assunto porque, em visita à minha mãe, descobri uma carta enviada por mim no período de 1995-96, em que estava vivendo em Balfour, na região de Southland, na Nova Zelândia.

Hoje é ela quem está com câncer e recentemente, teve um AVC. Altogether, não há tempo para lamentações, é preciso agir e rápido. Lidar de sangue gelado com as crises horríveis causadas pela quimioterapia, com o desrespeito do convênio médico em seguir as leis do contrato* (e consequentemente, com despesas que não estavam nos planos) e de quebra, administrar toda a contabilidade minha e dela. Às vezes sinto a imunidade despencar, mas tomo umas vitaminas e vou à luta. Não posso fracassar.


Sim, é bom que eu esteja aqui, agora, com ela. Mas voto à carta, uma lembrança boa e ruim, assim como um dia espero enxergar o bom no ruim desses tempos. E amo a minha vida, mas não deixo de pensar em como seria se eu estivesse ainda por lá e pudesse desfrutar daquele lugar, em que pairava algo de místico até aos mais céticos, como eu.

Uma das minhas lembranças mais fortes foi uma certa solidão no início. Havia uma ovelha grávida no quintal do vizinho, com cercas muito baixas, e eu “conversava” com ela todos os dias. Fiquei assim, meio bicho. Eu colocava o CD do Jorge Benjor e ia lavar a roupa. Aí a vizinha – que era da Finlândia – perguntou uma vez ao meu namorado se a mulher dele era aquela que brincava com as ovelhinhas. Há há!
Só que nem tudo foi ruim: conheci pessoas incríveis, vi fiordes e paisagens que jamais esquecerei, descobri a sopa de tomate e doce de apricot (damasco), assim como o Vege Mint (uma espécie de patê meio sem gosto, mas que vicia e depois de um tempo você não consegue viver sem ele). E amei intensamente. Só não me casei porque ELE não tinha idade suficiente – e a mãe não autorizou.

Abaixo, um trecho da carta que enviei à minha mãe na época. Nada como as mães para guardar tudo que há de mais escondido dos nossos arcanos...


08/9/95

Mãe,

É...a vida é que nem o Sula falava: rapadura é doce mas não é mole. Ontem, quando nevou, achei lindo e coisa e tal. Já tinha visto neve parada. Mas caindo..foi a primeira vez. A princípio achei lindinho, aqueles floquinhos. Mas agora já enchi o saco e acordei com aquele tapete branco do lado de fora, que me impossibilita de sair, de secar a roupa. E sabe que o gelo tampa os vidros dos carros? Fica tudo branco! Prometo que mando fotos (já revelei algumas e ficaram demais!)
O único problema é que eu não me acostumo nem a pau com esse frio. Recuso-me a sair de casa. Não faço nenhum esforço para me acostumar, porque não gosto mesmo.
Os trechos a seguir são semelhantes às cartas para o pessoal da Metô**:


- Os vizinhos não saem no portão pra falar da vida alheia, não. Deve ser por causa do frio.

- Já falei que aqui (onde estou) as estradas quase não têm carros e o pessoal corre pra caralho? No caminho fica cadáver de tudo que é bicho.

- Já falei que o pessoal é obcecado por esporte e, se o cara não for bom no Rugby, não come ninguém? (O Rugby é como o futebol aí)

- Todo mundo fala baixinho e eu odeio a hora de ver tevê, porque ninguém conversa.

- Contei que fui esquiar e só caí? O instrutor de esqui perguntou? “French?” e eu:
“Não, meu filho, não, brasileira mesmo.”
- E só dá japonês nas estâncias de esqui, porque são os que têm a bagaça***.
- A cidade do esqui chama-se Queenstown. Nunca fui para a Suíça, mas aquilo é a Suíça dos meu sonhos. Talvez até mais bonito.
Outro dia sonhei com o papai. Aquele velho sonho de que ele enganou a gente, estava vivo e com outra família. Fiquei tristíssima e acordei chorando. O Chris agüenta as minhas crises de choro Era dia dos pais aqui. Os comerciais de tevê...eu odeio dia dos pais!
Então lembrei de todos os “nossos” problemas e chorei mais ainda. Mas já passou...
Mãe, fui a um jogo de rugby! Sabe que eu to até aprendendo a gostar desse negócio? É engraçado, eles querem que o cara consiga passar com a bola, mesmo com uns 15 caindo em cima. Parece um monte de roupa suja, aqueles caras gigantes um em cima do outro, muitos não tem os dentes da frente (rá rá!)
Torci para o time contrário do Chris, porque no Brasil ele não era são-paulino. E o meu time ganhou, mesmo.
À noite saímos em Dunedin. Mãe, põe São Paulo no chinelo, é bem menor e tem muito mais lugar pra sair. O pessoal bebe demais! Teve uma hora que um cara jogou uma garrafa de cerveja no olho do outro, gratuitamente. Não tavam brigando, não. Nem se conheciam – inclusive, nem estavam perto. Na mesma hora, espirrou sangue pra tudo que foi lado. E pensa que chamaram a polícia? Nada! Só convidaram o bronco a retirar-se mui educadamente.
Eu, que já tinha visto coisas que até Deus duvidava aí no Brasil (já vi trombadinha roubar, vou pra São Paulo no trem de periferia e já voltei de Poá num deles à meia-noite; vi barbaridades), nunca fiquei tão impressionada. Impressionada com a gratuidade da agressividade, com a necessidade que eles tavam de ver alguma coisa acontecer. Lógico que não é todo mundo assim. Mas aquilo me marcou.


* O convênio chama-se Prevent Senior e é simplesmente um horror.

**Universidade Metodista de São Paulo, na época Instituto Metodista de Ensino Superior. Onde eu fazia o meu curso de Comunicação - Jornalismo

** *dinheiro