quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O Gato Azul

Continho antigo..



Começou na escola. As crianças que eu não gostava eram a maioria. De quem eu gostava mesmo? Ah, eu deixava um garoto brincar com o gato azul de borracha. Ninguém gostava do garoto. Primeiro, porque era preto. E depois porque levava muitas broncas das tias. Às vezes ele aparecia com seu sorriso fácil e seus modos gentis, era bom de brincar. Até que um dia ele não veio. E nem no outro, e no outro e no outro. Então brincávamos eu e o gato, que se chamava gato azul mesmo, todos os dias, embaixo da árvore mais afastada do pátio. Era um pátio com diversas árvores, muitos brinquedos, e eu era responsável pelo gato. Eu não pedia o seu amor. Eu o alimentava com a areia do pátio e o amava, simplesmente. Juntos viajávamos e conversávamos sobre o que queríamos. Era bem mais legal que as crianças e eu preferia estar sozinha com ele.

Acontece que a mãe verdadeira do gato azul era uma garotinha chata que nada entendia de amar gatos. Quando deu de passar por lá, me viu com o gato azul no colo. E brigou e gritou e disse olha você nunca mais brinque com os meus brinquedos sua “ladrona”! Arrancou-o de mim com raiva e unhas grandes deixando um vazio insubstituível. Senti-me tão sozinha que permaneci imóvel até o final do recreio. No dia seguinte a garota tinha jogado o gato azul de novo na areia, ela realmente não entendia nada de amar gatos. Eu o resgatei e o levei de volta ao nosso lugar preferido, onde ele gostava de ficar de verdade. Desta vez me escondi atrás da árvore em silêncio.

O tempo passou, as escolas mudaram, mas eu não. Outros recreios vieram, era melhor estar sozinha. Quando os peitos cresceram, os meninos se aproximaram. Alguns tão bobos, era melhor estar sozinha. Vieram os empregos, a faculdade, os amores, poucos amigos. Um pedido de casamento. Achei que ele não me deixaria ficar sozinha na última árvore do pátio. Morei no branco, no gelo. Gostei de estar sozinha porque ficava ainda mais feliz quando, finalmente, alguém aparecia. Troquei o casamento por cds de jazz e livros, além de garrafas de vinho. A árvore virou um apê pequeno, porém aconchegante. O telefone toca muito e a secretária atende. É melhor estar com a solidão, uma senhora paciente e muito distinta. Mas sabe, sinto mesmo é saudade do gato azul. Puxa, que falta ele faz...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Do aborto, das novelas e da estranha religiosidade brasileira

Foto: Chakib Jabor




Tá, eu assisto novela. Tá certo, eu poderia fazer alguma coisa melhor, como ler um bom livro, tomar um chope, encontrar amigos (e muitas vezes faço tudo isso mesmo). Mas outras vezes, fico em casa e assisto novela das oito.

O Manoel Carlos não é o meu autor preferido. Acho-o conservador, do pior tipo – aquele em pele de liberal. Não tem humor, não é antenado (sempre a mesma bossa-nova, quando a “típica” música carioca mudou e faz tempo). Um saudosismo que não dá ibope. Mas devo confessar, ele tem os seus méritos, e um deles é o ritmo que dá às histórias. Também o fato de abordar as desgraceiras da vida de uma forma relativamente natural.

No entanto, o autor coloca assuntos delicados de forma parcial e sem questionamento. Um deles é o aborto no Brasil. Manoel Carlos é espírita (e isso ninguém disse nem precisava, basta assistir com um pouquinho mais de atenção a sua trama). Daí uma das personagens, a mãe de Helena, acender uma vela pra santa e outra no “Centro”, mostrando as crenças do brasileiro. Ok: crenças ou falta de personalidade? No que ela acredita, afinal? Em tudo? Pois são religiões com princípios bem diferentes (uma crê no céu e inferno, a outra em reencarnações). E por que (exceto pelos evangélicos, que nesse ponto ao menos são autênticos) o brasileiro tem tanta dificuldade em se desfazer da igreja católica e assumir o espiritismo, o candomblé, etc? Acho isso falta de fé, na verdade. Não dá pra acreditar em coisas opostas ao mesmo tempo.

Lembro de meu avô, em sua cadeira, com seus manuscritos, os óculos de ouro na ponta do nariz. Escreveu quatro livros cujos temas eram o catolicismo, graças às suas fortes origens religiosas do interior de Minas. Era um homem fervoroso, que quase foi padre e ia diariamente à paróquia no bairro de São Mateus, em Juiz de Fora. Confessava, comungava, rezava: enfim, um verdadeiro católico, como nunca mais vi. E também nunca o flagrei pregando qualquer trecho da bíblia, a não ser quando perguntado. Em suas raras catequizações, era breve, porém de uma objetividade brutal. Resolvia e esclarecia a questão, dentro de sua crença.

Mas voltando à novela: Manoel Carlos é espírita e contra o aborto, um claro problema de saúde pública deste país.

Manoel Carlos não é mulher e nunca passou por um dilema de gerar uma criança indesejada. Manoel Carlos é, também, machista. Manoel Carlos, diante de todas essas afirmações, não teria a mínima categoria para falar de assunto tão envolto em preconceitos e muito pouco debatido com a clareza que merece, pois não é neutro. Você vai me dizer que Manoel Carlos tem o direito de colocar a sua opinião, e eu respondo: tendo a novela o papel que tem neste país, não deveria haver uma discussão com dois lados, para que os espectador tirasse as suas conclusões?

O aborto é legalizado quase todos os países chamados desenvolvidos, pois é considerado um direito. Fato: De acordo com a maioria dos cientistas, até oito semanas de gestação, não há cérebro e nem coração no embrião.
É o que eles dizem. Para mim, isso significa que não há dor provocada em algo que ainda não foi formado. Mas você tem uma religião e acredita que exista um “espírito”. Tudo bem, é um direito seu. E não há nada que a impeça de ter o seu filho.

Mas a minha pergunta é: Se você acredita em vida após a morte ou em espírito antes da vida, porque EU sou obrigada a acreditar? Essa é uma verdade absoluta? Há algo concreto que a prove? Pense bem: você está impondo a sua religião e seus dogmas a mim, que posso simplesmente não crer neles. É um direito meu, certo? Neste pais, errado.

Não acho que alguém cuja trajetória ou crença é completamente diferente possa julgar, por exemplo, uma jovem cuja vida está começando, sem condições financeiras nem econômicas de ser mãe. Ou a gravidez natural de uma violência sexual, ou de um feto anencéfalo. Neste caso, o que Manoel Carlos faz é prestar um sesserviço ao nosso povo místico. É claro que a prevenção seria a melhor solução, mas às vezes isso não é possível. De filhos indesejados, o mundo já está cheio – e as experiências não são nada boas.

Mas voltando à novela: Manoel Carlos deixou Luciana tetraplégica e pôs a culpa em Helena (que, lógico, sente-se culpada para todo o sempre por ter feito um aborto). Sua culpa é capaz de aumentar, apenas para provar que quem aborta não tem salvação nesta vida nem na outra.

Está na hora das mulheres pararem de deixar que os homens e os padres (que já erraram em tantas outras questões) decidam sobre suas vidas e seus corpos. Está na hora de pararmos com essa hipocrisia, pois na prática a realidade é completamente diferente. Basta ver o número de abortos clandestinos realizados neste país, tão alarmante que nem me lembro.

E por fim: está na hora de respeitarmos quem pensa diferente.

Obs: Eu nunca fiz um aborto e se hoje engravidasse, provavelmente teria o meu filho(a). Julgo ter condições financeiras e psicológicas (além de um companheiro) pra isso. Mas cada um tem a sua vida, o seu calo apertando e as suas contas pra pagar.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O mundo que eu amei


Osvaldo Salermo
Este mundo não é meu, foi o que bradou Claude Lévi-Strauss em uma entrevista nos anos 90. E olha que algumas desgraceiras fundamentais ainda não ocorriam na época. Segundo ele, o mundo que amou tinha 1,5 bilhão de pessoas e esse, de 6 bilhões, não dá pra amar. Gente demais, só pode dar merda. Ou seja: muita gente pra comer e pra beber água, pra brigar por um lugar no mercado de trabalho, pra sustentar mais bocas. Mais gente rejeitada, degenerada, abandonada. E claro, mais gente pra destruir mais árvores, extinguir mais animais, poluir mares e rios.

Olha, pode me chamar de pessimista, eu não ligo. Sou mesmo. Não vejo a mínima luz no fim e nem no meio desse túnel aí. As coisas (ruins) estão acontecendo muito rapidamente e nossa geração não tem o mínimo semancol. Até porque uma mudança de verdade, para que pudéssemos deixar a coisa menos estragada, também traria conseqüências radicais, como a perda de empregos em milhares de empresas poluidoras, para citar um exemplo. Não tem ninguém macho o suficiente nesse mundo. E se tiver, sozinho não há açúcar união que faça a força. Ah, mas podemos nos unir, você vai dizer. Sei.

Ás vezes, quando escuto notícias como geleiras derretendo e milhares de ursos polares morrendo afogados, tenho vontade de ser como tantas pessoas e, sei lá, comprar um sapato de couro de crocodilo no shopping pra esquecer que não consigo ser feliz sabendo de tudo isso. Mas é tarde. A descoberta de algumas coisas é um caminho sem volta.

Ah, essas coisas enganam bem. Já falei sobre isso aqui. É uma felicidade efêmera, que dura muito pouco, essa de comprar as coisas. Comprar uma arara colorida no pet shop, para o seu filhinho brincar. Ou um macaquinho bonitinho, cuja mãe foi assassinada para que pudessem capturá-lo. Você tem dinheiro, vá em frente.

Quem vai segurar a onda – ou o tsunami – é a próxima geração. Coitados dos pivetes.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Boa vontade

Estúdio Vasava (Barcelona)


Hoje faz seis anos que compartilho pensamentos, refeições, gostos em comum
(e gostos incomuns), ideias, cama, domingos maravilhosos; outros de uma monotonia insustentável, saúde e doença. Alguns gritos foram necessários e muita, muita conversa. Mas antes de tudo, uma boa vontade mútua, um respeito genuíno que só quem ama consegue conservar – a gentileza do ato.

Não é receita, imagine. É o que chamam de pequeno milagre, e que bom que aconteceu comigo. Ganhei seis rosas, que simbolizam os seis anos que permanecemos separados por dois estados – e grudados como nunca. Já aquelas florzinhas pequenininhas, coadjvantes que sempre vêm junto com o buquê (e que podem guardar uma importância difícil de perceber), são os anos que continuaremos juntos, eternamente enquanto durar, como sabiamente mencionou um poeta.


Talvez por nunca ter sonhado com nada parecido, consegui uma felicidade tão real...